ALONE MUSIC- O Seu projeto musical chamado"Posthuman Tantra" é, sem sombra de dúvida, um dos mais estranhos que eu já ouvi. Você poderia nos descrever como ele surgiu e por quê?
EDGAR FRANCO- Obrigado por seu comentário, termos como "extremo", "estranho", "louco" são adjetivos muito usados para qualificar minha arte, isso acontece pelo fato dela ser difícil de rotular e buscar algo novo. O Posthuman Tantra surgiu como parte natural do desenvolvimento de meu universo ficcional intitulado “Aurora Pós-humana” -mundo ficcional futuro baseado na fusão entre DNA & Silício, com novas criaturas que mixam humano, animal, vegetal e máquinas. Nesse planeta Terra hipotético do futuro convivem três espécies de seres: os Tecnogenéticos (frutos da hibridização entre humanos, animais e vegetais – possuem corpos humanimais e podem se assemelhar a formas míticas como centauro & sereia), os Extropianos (são seres humanos que transferiram sua consciência para um chip de silício e passaram a viver em um corpo robótico) e os Resistentes (humanos propriamente ditos que estão em processo de extinção). Esse universo tem servido de base para a criação de meus trabalhos artísticos em múltiplas mídias. O “Posthuman Tantra” surgiu em 2004 como um desdobramento sonoro de minhas expressões visuais e narrativas - um abissal e psicodélico sonho sci-fi industrial - o nome do projeto instiga a pensarmos uma relação aparentemente paradoxal entre tecnologia e misticismo transcendental – na verdade a base geral das músicas propõe a interação entre esses universos: uma reflexão sobre processos tecnognósticos.
AM- Por quê a opção por uma sonoridade tão aterradora e obscura?
EF- Na verdade o Posthuman Tantra mostra a escuridão para provocar um olhar diferenciado em direção à "luz". Vivemos em um mundo à beira do colapso total ou em vias de realizar o salto quântico que levará a humanidade a um novo patamar de consciência. Desde a Revolução Industrial, do advento da visão cartesiana-materialista da vida, a nossa espécie desconectou-se da totalidade, passamos a nos entender como partes desconectadas da natureza e desenvolvemos um sistema de vida completamente egoísta e egocentrista. Toda a destruição do planeta parte do princípio de que somos criaturas independentes dele, esquecemos que, na verdade, somos todos partes de um grande sistema vivo chamado Gaia! O monetarismo desenvolveu também uma busca desastrosa pelo "ter", a felicidade passou a depender de objetos e esse sistema ensinou-nos não só a desprezar Gaia, mas desprezarmos e competirmos com nossa própria espécie. A publicidade é a "magia negra" do nosso tempo, pois ela mobiliza bilhões de seres humanos e trabalha em favor desse sistema egolucrativo, e a publicidade trabalha com imagens "belas". Veja só, alguns bancos lucram milhões e ajudam a explorar populações empobrecidas, mas fazem propagandas com famílias felizes em parques verdejantes! Montadoras de veículos (que estão pesteando o planeta com a praga egoísta dos fálicos carros) mostram jovens e belos casais dirigindo por ruas vazias e parques lindos (mentira deslavada!). Publicidade bela e limpa também é utilizada por sistemas dogmáticos, sobretudo as religiões. Por isso eu abdico dessa limpeza luminosa falsa que contaminou a publicidade e os dogmas, da escuridão reflexiva florescerá a nova luz!
AM- Quais os objetivos que você tem ao criar sua música?
EF- O Posthuman Tantra acredita na possibilidade de reconexão de nossa espécie com sua essência cósmica e nas entrelinhas de minha música pseudo-obscura vislumbro a luz. É uma anti-propaganda vinda da cultura underground, o nigredo necessário para implodir o egomonetarismo ultrajante através da difusão do pós-humanismo pela via da ressonância morfogenética. Minha música reflete sobre as imbricações entre homem e tecnologia no contexto atual e futuro, hora apresento uma visão distópica - um dos caminhos possíveis, o fim de nossa doce/amarga raça humana pela hipertecnologização egoísta e desconectada (fábulas da destruição, uma Terra vazia pós-humana sem humanos!), mas em outras músicas retrato minha esperança na singularidade, no momento em que os avanços tecnológicos produzirão uma nova consciência transcendente, levando a humanidade à uma reconexão absoluta com o cosmos - nesse momento seremos pós-humanos, ultrapassaremos tudo aquilo de podre que o egocentrismo e o esquecimento da visão sistêmica causaram a Gaia e a nós mesmos -, seremos uma nova pós-humanidade. Enfim, as músicas do Posthuman Tantra são sigilos caoticistas que evocam essa tensão tecnognóstica luz-escuridão.
AM- Em seu álbum "Neocortex Plug-in" eu encontrei uma faixa multimídia na qual você descreve um mundo pós-moderno onde sexo e violência com andróides malignos e crianças convivem juntos. Você realmente imagina um mundo assim no futuro ou isso é apenas uma assusatadora e insana história?
EF- Está é uma das visões negras de futuro hipertecnologico, na faixa multimídia "Game-o-tech 2.0" são crianças pós-humanas de moralidade modificada que brincam de ferir criaturas transgêncas vivas criadas em laboratórios futuros de multinacionais da biotecnologia. A vida é tratada como um produto e ao invês de destruir avatares num game de computador as crianças agora matam e ferem essas criaturas - tratadas somente como produtos! Veja que acontece coisa parecida com a indústria mundial da carne, as vidas de nossas espécies irmãs tornaram-se simples produtos. Eu espero que essa história seja apenas um de meus sigilos obscuros e que o futuro não caminhe nessa direção, mas se não resgatarmos a visão sistêmica pode vir a tornar-se realidade.
AM- Deixando a violência de lado, eu gostei muito dos desenhos da faixa multimídia do CD, quem é o criador deles?
EF- Eu sou o criador de toda a música e arte relacionada ao Posthuman Tantra - um projeto multimídia. Todos os desenhos do encarte, arte da capa e da faixa multimídia são de minha autoria. Em meu próximo CD, intitulado "Transhuman Reconnection Ecstasy", a ser lançado pela Legatus Records em 2009, teremos uma nova faixa multimídia nesses moldes.
AM- Parece que você não confia no uso da tecnologia contemporânea. Isso é verdade?
EF- É como eu disse anteriormente, não sou um tecnófobo, acredito em muitas benesses tecnológicas e na possibilidade de alcançarmos um desejável novo patamar de consciência transcendente através de processos tecnológicos ligados a ancentrais processos de conexão com o universo. Acho que, lembrando o artista Roy Ascott e o etnobotânico Terence McKenna, devemos aliar as possibilidades de três realidades:
* a realidade validada (nossa vida material, baseada na percepção dos 5 sentidos)
*a realidade vegetal (baseada na ingestão de enteógenos - as drogas de poder que nos fazem vislumbrar nossa dimensão universal, visões de conexão que já existiam desde a ancestralidade e foram esquecidas e renegadas pelo cartesianismo-egoísta-monetarista) e finalmente as novas realidades virtuais (a possibilidade de criação de mundos simulados e a expansão da consciencia in silício). Somar uma vivência contínua dessas 3 realidades à expressão artística pode levar-nos a um outro patamar como espécie. No entanto a tecnologia baseada na geração de lucro e na alimentação do ego humano pode nos levar ao fim. Veja que já temos dezenas de opções energéticas limpas e superiores ao petróleo - energia solar, geotérmica, eólica, das marés, etc. Mas o truste global do petróleo insiste em manter a exploração dessa energia poluente e a indústria automobilística renegou o carro elétrico. Não existe visão sistêmica, eles estão preocupados em encher seus bolsos e só, o lucro impede a verdadeira e boa tecnologia de avançar! A Internet está implodindo a indústria do entretenimento que transformou a arte em lucro e as multinacionais não sabem o que fazer, o fato é que a rede é uma tecnologia tão avançada e bela que transcende esse sistema baseado no lucro, é uma luz nesse túnel podre do lucro. A Internet é a "Noosfera" de Chardin, uma rede que ligará todas as mentes do Globo, se as multinacionais não destruirem sua essência, seremos uma só mente no futuro, a mente Gaia!
AM- Como a crítica musical em geral reagiu ao ouvir o CD "Neocortex Plug-in"?
EF- Muitos não entenderam bem a proposta, pois minha música exige um mergulho profundo e destruição de certos paradigmas arraigados para que a viagem seja completa! É preciso livrar-se de seus dogmas e desejar criar novas conexões neuronais para navegar nas ondas do Posthuman Tantra. Por outro lado vários críticos inteligentes que aceitaram esse mergulho entenderam a proposta e elogiaram muito o trabalho, "Neocortex Plug-in" recebeu nota 9 na versão brasileira da revista alemã Rock Hard e o Posthuman Tantra foi muito elogiado em outras resenhas de veículos importantes do gênero como The Machinist (Bielorrúsia), Judas Kiss (Inglaterra), PAN.O.RA.MA Occult Magickal Web Journal (Colombia), entre outros.
AM- Quais sensações você quer transmitir para as pessoas?
EF- Algo de dor, um pouco de prazer, mas principalmente o desejo de reconectar-nos à nossa verdadeira essência universal e infinita!
AM- Existe alguma coisa que lhe dá arrepios e o deixa assustado? E ao contrário disso, o que o deixa feliz?
EF- Sim, o tecnoegoísmo me deixa assustado! Em meu país, o Brasil, esse ano (2009) são vendidos por hora 500 novos carros, enquanto nascem apenas 15 pessoas por hora! O governo continua apoiando as montadoras de carros com isenção de impostos e infestando as ruas com milhões de escapamentos poluentes - para mim os carros são como cavaleiros do apocalipse - por isso optei por não dirigir, não ter carro. Eu gostaria muito de ganhar uma Ferrari pois seria maravilhoso destruí-la completamente em um show do Posthuman Tantra, demonstraria todo o meu repúdio a essa indústria selvagem que está ajudando a levar nossa espécie ao abismo! E isso é uma promessa e um desafio! Desafio todas as montadoras de carros a me darem carros, destruirei todos eles em performances do Posthuman Tantra, convoco todos aqueles que têm verdadeiro amor pela Terra a fazerem o mesmo! O que me faz verdadeiramente feliz é criar - buscar atingir a transcendência através da arte e poder compartilhar com as pessoas meu ideal de reconexão com Gaia e com o Cosmos! Também sou feliz ao compartilhar um dia tranquilo de sol com minha amada esposa, com meus 4 cães e 4 gatos, passear com eles nas florestas próximas à minha casa, encontrar verdadeiros amigos e a minha família!
AM- Eu li que sua música é a trilha sonora de ficção científica ambient para a aurora pós-humana. Que tipo de filme inspira você?
EF- Você se lembra de Blade Runner? Eu gosto muito de cinema, principalmente ficção científica, poderia ficar o dia inteiro aqui citando filmes, mas além do maravilhoso Blade Runner, citarei outros 4 que considero seminais pelas questões que evocam: Gattaca, de Andrew Niccol; Tetsuo-The Iron Man, de Shinya Tsukamoto; eXistenZ & Videodrome, de David Cronenberg.Obrigado pela entrevista, achei as perguntas inteligentes e sagazes! Os interessados em saber mais sobre o Posthuman Tantra e meus outros trabalhos como artista multimídia visitem o meu Myspace.
Um abraço pós-humano a todos.
LEIA A ENTREVISTA ORIGINAL CLICANDO AQUI.
0 comentários:
Postar um comentário